CIVIL E PROCESSO CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - CONCESSIONÁRIA DE TRANSPORTE COLETIVO - ATROPELAMENTO DE CICLISTA - FRATURA EXPOSTA EM MEMBRO SUPERIOR ESQUERDO - LESÃO CORPORAL GRAVE - INOCORRÊNCIA DE CULPA DA VÍTIMA - INTERNAMENTO EM HOSPITAL DA REDE DE SAÚDE PÚBLICA ESTADUAL E MORTE POR SEPTICEMIA - DEVER SOLIDÁRIO DO ESTADO E DA CONCESSIONÁRIA À REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. 1) Os concessionários de serviços de transportes coletivos respondem objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros, assegurado direito de regresso contra o responsável em caso de dolo ou culpa; 2) incauta manobra de motorista de transporte coletivo, que, atropelando ciclista em tráfego pela mesma via e em idêntico sentido, causa-lhe fratura exposta em membro superior esquerdo, obrigando-a a sujeitar-se a tratamento cirúrgico em hospital da rede pública de saúde estadual onde veio a óbito em virtude de septicemia, determina, em face de direta linha de causalidade entre o acidente e a morte da vítima, a responsabilidade civil objetiva da concessionária prestadora do serviço público de transporte coletivo pela composição dos danos materiais e morais sofridos pelos familiares da vítima, dever de reparação a ser solidariamente compartilhado com o ente estatal a cuja rede pública de saúde pertence a unidade hospitalar onde veio a vítima a falecer, em virtude de más condições de higiene ambiental; 3) a responsabilidade civil objetiva do Estado, em razão da morte da vítima, decorre da chamada culpa anônima, também conhecida por faute du service, mercê da qual todos e ao mesmo tempo não especificamente ninguém, incorrendo em culpa in omittendo, dão ensejo ao surgimento do evento danoso; 4) a pensão devida, por compensação a danos materiais, a filhos com capacidade civil decorrente da maioridade, decorre da presunção de dependência econômica destes em relação ao ascendente falecido; 5) nesses casos, se não comprovado o valor da renda auferida em vida pela vítima, devido será, aos filhos, pensão equivalente a 2/3 de um salário-mínimo, a ser percebida até que completem vinte e cinco (25) anos; 6) a compensação por dano moral deverá ser arbitrada em atenção aos princípios da razoabilidade e a proporcionalidade, em modo a não pecar por excesso nem por aviltamento; 7) recurso conhecido à unanimidade e, no mérito, negou provimento ao recurso da empresa apelante, vencido o relator apenas quanto ao valor arbitrado em compensação por danos morais, mantida, quanto ao mais, a sentença atacada no recurso de apelação, tudo nos termos dos votos proferidos.
Inteiro Teor
RELATÓRIO
Adoto, como parte do relatório deste voto, os seguintes fragmentos da sentença apelada, lançada às fls. 134/142 dos autos:
(...) MARLEUZA CARDOSO DA SILVA, MARLEUMA CARDOSO DA SILVA e MARLONSON CARDOSO DA SILVA, todos qualificados na inicial, através de advogado particular, ajuizaram Ação de Indenização por Danos contra GARRA TRANSPORTES e SERVIÇOS LTDA, MUNICÍPIO DE SANTANA e ESTADO DO AMAPÁ, alegando, em síntese, que são filhos e únicos herdeiros de Maria José Cardoso da Silva, falecida em 04.06.2009, em consequência de lesões corporais sofridas em acidente de trânsito ocorrido nesta cidade em 25.05.2009, envolvendo a vítima que conduzia uma bicicleta e o ônibus da primeira ré; que uma das causas do acidente foi a condução imprudente do motorista da empresa Garra; que outra causa determinante do acidente foram as deformações no revestimento asfáltico da via pública que não estava em condições de receber tráfego de pessoas e de veículos, revelando a omissão do poder público municipal; que além disso a vítima foi internada no pronto socorro estadual em Macapá, onde veio a falecer em consequência de infecção disseminada, revelando a negligência do Estado, consistente na insuficiência de recursos empregados no tratamento dado à vítima.
Face ao exposto, requereram a condenação dos réus no pagamento de uma indenização por dano moral, no valor de 450 salários mínimos, e pelos danos materiais no pagamento de uma pensão mensal no valor de 2/3 do salário mínimo, até que a vítima completasse 70 anos, ou até que os autores completassem 25 anos de idade, bem como no ônus da sucumbência.
Com a inicial juntaram os documentos de fls. 12 a 30.
Em audiência de conciliação, esta restou infrutífera, ocasião em que os réus Estado do Amapá e empresa Garra apresentaram suas contestações por escrito.
O Estado do Amapá, ofereceu contestação às fls. 54/60, na qual argüiu a preliminar de inépcia da inicial, aduzindo que ela não está em conformidade com a lógica formal, já que a narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão e também pelo fato de apresentar pedidos incompatíveis entre si, requerendo a extinção do feito sem a resolução do mérito. No mérito, sustentou que cabem ao Município e à empresa concessionária responderem pela morte da genitora dos autores, eis que está evidente que a causa mortis decorreu do choque entre a bicicleta e o ônibus da empresa Garra; que a responsabilidade do município é objetiva; que não foi a conduta do Estado que, por si só, produziu o resultado; que a morte sobreveio em razão do acidente, e não em consequência do atendimento médico prestado pelo Estado; que utilizou-se de todos os recursos da medicina no atendimento à vítima, mas que não foi possível salvá-la, dado aos graves ferimentos sofridos; que a atividade médica é uma obrigação de meio e não de resultado; que nada existe nos autos que prove a ocorrência do resultado por culpa exclusiva ou concorrente do Estado.
Ao final, requereu o acolhimento da preliminar suscitada e, alternativamente, a improcedência total do pedido.
A empresa Garra Transportes e Serviços Ltda, apresentou contestação às fls. 61/91, arguindo em preliminar a sua ilegitimidade passiva ad causam para compor a lide, sob o argumento de que não deu causa ao evento danoso. No mérito, em síntese, aduziu que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima, que em função das más condições da pista e ao tentar desviar da poça d'água, perdeu o equilíbrio e caiu com sua bicicleta; que o motorista, ao perceber que a vítima havia caído, imediatamente parou o veículo e prestou-lhe socorro; assevera que a perícia não foi conclusiva no sentido de apontar o veículo causador do acidente, não sendo razoável que tenha que indenizar pela ação indevida de terceiros; que a vítima faleceu em função de processo infeccioso disseminado, o que demonstra a negligência por parte do Estado; em seguida tece considerações a respeito da falta de documentos que comprovem o dano material, sobre o descabimento da pensão em favor dos autores, bem como da inexistência de comprovação do alegado lucro cessante; impugna o pedido excessivo de indenização por danos morais. Ao final, requer o acolhimento da preliminar, e no mérito o julgamento totalmente improcedente dos pedidos constantes na inicial.
Réplica pelos autores às fls. 95/97.
Despacho saneador, que tornou-se irrecorrido às fls. 99/100.
Em audiência de instrução, fls. 104/110, foram colhidos os depoimentos da autora Marleuza Cardoso da Silva e das testemunhas Mizael Aranha da Silva e Joel Dias Souza Filho.
Alegações finais pelos autores às fls. 11 a113.
Memorial pelo réu Estado do Amapá às fls. 114/119.
Alegações derradeiras pela ré Garra Transportes Ltda às fls. 122 a 128.
O município de Santana, revel, não se manifestou.
O RMP às fls. 130/133, entendeu que não havia necessidade da intervenção ministerial nos autos (...).
Acrescento que o ilustre magistrado singular que processou o feito, resolvendo o mérito da causa, deu pela procedência parcial do pedido deduzido na petição inicial da ação indenizatória proposta, para condenar, tão-somente, a empresa Garra Transportadora e Serviços Ltda., a pagar aos autores, a título de reparação de danos morais, o valor correspondente a noventa (90) salários mínimos, além de pensão mensal compensatória por danos materiais fixada em dois terços (2/3) do salário mínimo, reconhecendo, em relação a esta última parcela do pedido, a culpa concorrente da vítima, julgando, no mais, improcedentes os pedidos formulados em desfavor dos entes públicos Estado do Amapá e Município de Macapá.
Inconformados ao édito condenatório, interpuseram, tanto a ré-condenada quanto os autores, recurso de apelação, ao longo de cujas razões sustentaram, em ordem de arguição - primeiramente a empresa recorrente -, a reiteração das teses defensivas, consistentes no reconhecimento de culpa exclusiva da vítima, a ausência de conduta culposa da empresa a ensejar condenação à composição de danos morais, redução da verba condenatória, bem como ausência de prova de prejuízo ou diminuição de patrimônio em relação aos danos materiais (fls. 143/155). Os autores-apelantes, por outro lado, em suas razões perseguem o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado do Amapá e do Município de Macapá, pois o óbito da vítima adveio de conjugação de atos omissivos dos entes públicos, notadamente por responderem objetivamente na forma da legislação brasileira, motivo pelo qual pugna pelo acolhimento integral do pedido encartado na petição inicial (fls. 159/162).
Embora certificada regular intimação das partes para apresentarem contrarrazões (fls. 165), apenas a empresa Garra Transportadora e Serviços Ltda. rebateu os fundamentos recursais da parte ex adversa, requerendo, na essência, o desprovimento do recurso (fls. 166/177).
Ausente interesse público, a justificar a intervenção da digna Procuradoria de Justiça do Amapá, abstive-me de sua audiência, notadamente pela maioridade dos autores.
É o relatório.
ADMISSIBILIDADE
ADMISSIBILIDADE
O Excelentíssimo Senhor Desembargador CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Também conheço.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador EDINARDO SOUZA (Vogal) - Também conheço, Excelência.
MÉRITO
EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - O dever de reparação de dano, tanto material quanto moral, assenta na premissa de conduta ilícita do agente, que tenha causado, a outrem, prejuízo, nas sempre lembradas lições de José de Aguiar Dias, em sua famosa obra DA RESPONSABILIDADE CIVIL, Ed. Renovar, XI ed, ano 2009. Lá ensina o mestre que a responsabilidade civil tanto pode desenvolver-se sob modalidade objetiva, quanto subjetiva. Na primeira, o dever de reparação do dano decorre de simples comprovação do nexo causal entre a ação ou omissão do agente e o resultado danoso, enquanto que, na segunda, esse mesmo dever de reparação advém da comprovação da culpa aquiliana de que se tenha deixado impregnar a conduta do agente, tida por ilícita, da qual teria provindo o dano.
Na hipótese sub examine, embora o laudo de exame pericial do sítio de colisão do veículo automotor M. Benz Induscar AP, placa NER 5141, de propriedade da empresa Garra Transportadora e Serviços Ltda., com veículo de propulsão humana, espécie bicicleta (seqüência numérica 88610JJ), pertencente à vítima, tenha sido inconclusivo quanto à causa determinante do acidente, vez que os experts afirmaram, no item 5 do referido laudo, que (...) não foi possível determinar qual dos veículos foi gerador do acidente (...) (fl. 20), o magistrado singular identificou corretamente, por outros meios de prova, em especial o depoimento prestado pelo condutor do veículo Sr. MIZAEL ARANHA DA SILVA na delegacia de polícia, que a causa determinante do acidente foi o fato de o condutor do ônibus ter invadido o espaço em que trafegava a vítima com sua bicicleta, após manobra daquele ao ser ultrapassado por outro veículo.
Extraem-se, do depoimento do motorista/empregado da empresa, as seguintes afirmativas: (...) que, ao dar o retorno, avistou a vítima que trafegava em uma bicicleta pela mesma via, no mesmo sentido, (OESTE/LESTE); que, próximo a uma parada de ônibus avistou um veículo que ultrapassou o ônibus que conduzia; que, em razão da ultrapassagem desviou ao máximo do referido veículo; que, olhou pelo retrovisor direito para ver se a vítima havia parado, quando percebeu que a mesma havia caído; que, achou que a vítima havia se machucado e por isso parou o ônibus e foi averiguar se ela realmente havia se machucado; que, ao chegar perto constatou que a vítima havia sofrido fratura exposta no braço esquerdo; que, percebeu que a roda do ônibus havia passado por cima do braço da vítima; (...) (fl. 28), versão confirmada em juízo (fl. 109), apenas com ressalva de que o depoente não teria encostado no veículo que o ultrapassou.
Através do depoimento supratranscrito, verifica-se a responsabilidade objetiva da empresa de transporte coletivo que presta serviço público, uma vez que, em relação a condutor profissional de veículo de grande porte, é de esperar-se, no mínimo, prudência no desempenho de suas atividades, atitude pela qual, ao contrário, não se pautou o condutor do veículo de transporte coletivo, pois avistou a vítima e ainda assim desviou para o lado do biciclo que trafegava na lateral da pista, confiando no sistema de frenagem de seu veículo como providência capaz de evitar o choque entre ambos, malgrado ostentassem dimensão e massa férrea absurdamente incomparáveis.
Correta, portanto, a sentença ao afirmar que (...) Se o condutor do ônibus tivesse parado ou diminuído sua marcha, ao invés de efetuar a manobra adornando ao máximo seu veículo para a direita, o acidente poderia ter sido evitado. O motorista fez isso, sem, contudo, dar preferência à bicicleta que já tinha iniciado a sua passagem. Assim, agiu sem a observância do dever de cautela, conforme previsão dos artigos 28, 34, 36 e 58 do Código de Trânsito Brasileiro. (fl. 138).
Se por um lado a culpa do condutor do veículo coletivo restou sobejamente demonstrada, em inverso sentido não encontra ressonância probatória nos autos a tese de culpa exclusiva da vítima ou sua concorrência para o evento danoso, ainda mais porque a responsabilidade objetiva da empresa jamais dá lugar à mitigação de valor da composição indenizatória em face de reconhecimento de culpa exclusiva ou concorrente da vítima, a não ser quando não demonstrado e comprovado liame causal entre a ação ou omissão do preposto da permissionária de serviço de transporte coletivo e o evento danoso.
Se provado esse nexo de causalidade e caracterizada a responsabilidade objetiva, não cabe, por óbvio, admitir culpa exclusiva ou concorrente da vítima, pelo simples fato de que a responsabilidade objetiva, nesses casos, erige-se independentemente de averiguação de culpa.
Apesar de as testemunhas de defesa terem afirmado que a vítima, no momento do choque com o ônibus, manobrara para desviar de uma poça dágua, não resta evidenciada qualquer prova material de que tenha ela, por esse tipo de conversão realizada com sua bicicleta, se projetado ao centro da pista onde estavam a transitar os veículos maiores, contribuindo, desse modo, para o evento danoso.
Nem por isso, a sentença apelada acolheu, - penso que impropriamente, - a coexistência das responsabilidades objetiva e subjetiva, para redução do quantum indenizatório, ponto discutível da lide que não foi, porém, de forma direta e objetiva, senão em plano generalizado de postulação, atacado pelos autores-apelantes, o que, no entanto, não se transforma em questão pacificada pela adoção do princípio do tantum devolutum quantum apelatum, já que os autores, em seu recurso de apelação, se não combateram especificamente a insuficiência do valor arbitrado em compensação ao dano moral sofrido, fizeram-no, todavia, em contexto recursal devolutivo de maior abrangência, ao pleitearem o provimento de seu recurso, para o fim de, em reforma à sentença apelada, ser-lhes assegurado o recebimento das verbas indenizatórias requeridas na petição inicial da ação proposta.
Como visto, não restou configurado, como ao contrário se poderia imaginar, o óbice da inexistência de impugnação específica ao valor arbitrado em reparação civil do dano moral, advinda do princípio do tantum devolutum quantum apelatum. É que, repetindo o que foi dito a linhas atrás, o recurso de apelação dos autores, no que concerne a esse tópico de abordagem recursal, enfeixou, em pedido global de reforma da sentença como um todo, a revisão, − aí também incluso o arbitramento da indenização por danos morais - de todo o preceito condenatório firmado na sentença apelada. Aliás, seria até rematado contra-senso, ante impugnação generalizada ao édito condenatório, interditar o exame de seu merecimento, no quanto respeitante à justeza ou não das indenizações arbitradas em ressarcimento de danos materiais e morais sofridos, se estes últimos, ao serem mensurados, sofreram redução pela metade em face da aplicação mitigada das responsabilidades civil objetiva e subjetiva.
Afinal, sendo o direito processual de natureza instrumental e envolvendo a resolução do mérito de causa direito de índole material, impossível é, por alegada falta de específica impugnação à insuficiência do valor arbitrado a título de ressarcimento por danos morais, deixar de apreciar essa questão, para, já reconhecida que tenha sido a responsabilidade objetiva do permissionário, se possa, ainda assim, de maneira notoriamente incongruente, admitir concorrência de culpa da vítima, quando as responsabilidades objetiva e subjetiva, orbitando em torno de zonas próprias e distintas de determinação da responsabilidade civil, são, em essência, inconciliáveis.
Quanto à responsabilidade do Estado do Amapá, este também responde objetivamente, uma vez que a vítima de trânsito esteve sob cuidados médicos e faleceu no Hospital de Emergências - não exclusivamente por causa dos ferimentos decorrentes do acidente de trânsito -, mas em conseqüência de processo infeccioso disseminado (septicemia) que evoluiu em decorrência de cavidade abdominal (peritonite) (fl 27). Observa-se, nesse aspecto, que, apesar de o óbito da vítima haver decorrido de infecção generalizada como causa comumente associada às más condições insalubres e anti-higiênicas do ambiente hospitalar, sua internação se verificou em razão de traumatismo sofrido no braço esquerdo, fruto do atropelamento de que foi vítima.
Ao contrário do afirmado pelo juízo sentenciante, não há, nessas hipóteses, como cogitar de culpa deste ou daquele profissional de medicina que tenha prestado assistência ao paciente, pois o § 6º do art. 37 da CF/88 consagrou o princípio da responsabilidade objetiva do ente estatal pela reparação dos danos que seus agentes, nessa condição, tenham causado, por ação ou omissão, a outrem, bastando, para isso, que comprovado fique o nexo causal entre a conduta omissiva ou comissiva do agente e o resultado danoso, o que, no caso concreto, restou comprovado.
Em relação à responsabilidade objetiva estatal, têm a doutrina e a jurisprudência aceito, quando a morte da vítima decorre de infestação infecciosa em ambiente hospitalar, como fenômeno a evidenciar culpa in omittendo de todos e ao mesmo tempo não especificamente de ninguém, - tal qual ocorreu no presente caso, - a aplicação da moderna teoria da culpa anônima, também conhecida como teoria do faute du service, em que a responsabilidade civil pela reparação de dano se impõe objetivamente.
Assim, a dinâmica factual permite reconhecer, ao contrário do que sustenta e quer fazer crer a empresa apelante, a responsabilidade objetiva e solidária da empresa Garra Transportadora e Serviços Ltda e do Estado do Amapá, já que, mediante condutas positivas ou negativas (ação ou omissão) de seus agentes, atraíram a aplicação da teoria do risco administrativo em razão do desempenho de suas atividades.
Malgrado infeliz a sentença apelada em afastar a responsabilidade solidaria do Estado do Amapá e condenar apenas a ré-apelante, − empresa Garra, − acertou, no entanto, ao dar pela irresponsabilidade civil do ente municipal, patente como ficou a inexistência de nexo de causalidade entre a invocada omissão da administração do município na conservação da via pública e sua contribuição para o acidente ou morte da vítima, fato que, como se viu, se deveu à imprudência do motorista da permissionária de transporte coletivo apelante e à infecção hospitalar contraída no hospital de emergência, tanto uma quanto outra causa com efeito eficiente e bastante à ocorrência do evento danoso.
Por fim, relativamente ao quantum das verbas condenatórias, os valores fixados - noventa salários mínimos por danos morais e pensão de 2/3 do salário mínimo devida até que o último dos autores completasse 25 anos -, foram objeto de ataque no recurso de apelação aviado pelos autores não de forma pontual e direta, mas englobadamente com o de revisão do montante atribuído em ressarcimento aos danos materiais e morais, ao pugnar, de maneira generalizada, pelo provimento do recurso com a conseqüente procedência da ação, em conformidade com os pedidos formulados na inicial.
Já a ré-apelante, em sentido inverso, pôs, no seu recurso de apelação, empenho no sentido da redução dos valores arbitrados a título de indenização por danos materiais e morais, por não ter havido, como parâmetro para fixação dos primeiros, comprovação de renda da vítima e, em relação aos últimos, por entender terem sido abusivos, desproporcionais, contrários aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
O parâmetro para aquilatar o quantum devido a título de danos morais, segundo o entendimento doutrinário, há de levar em conta a condição sócio-econômica da vítima, a capacidade econômica do ofensor, a natureza e extensão do dano, o grau de culpa com que agiu o agente causador do dano, além da graduação do valor indenizatório em modo a imprimir-lhe caráter inibitório à repetição de idêntico fato, nunca podendo ir, no entanto, além do quantum estritamente necessário a compensação do dano e de maneira a não favorecer enriquecimento sem causa, como ditam expressivos julgados de nossos Tribunais Superiores.
In casu, a vítima era autônoma, sem comprovação nos autos de rendimentos, ao contrário da empresa apelante que explora serviço de transporte público e o Estado do Amapá que possui fontes de receitas distintas. No mais, os filhos, em situações de morte dos pais, sofrem presumível dano moral elevado, motivo pelo qual o julgador singular adotou por parâmetro, equivocadamente diga-se de passagem, uma espécie de conjugação das responsabilidades civil objetiva e subjetiva, - ao aplicar a primeira e mitigar o valor da indenização em razão de culpa concorrente, - compensação por dano moral em valor bem inferior aos paradigmas ditados pela Escola Judicial, fixando-a em 90 salários mínimos, montante que, diversamente do que sustentou a ré-apelante, não se mostra excessivo nem desproporcional, ao contrário ínfimo a ponto de não expressar justa reparação ao dano moral sofrido.
Em razão disso, levando em conta que o valor do dano moral deve, sob os prismas da razoabilidade e da proporcionalidade, representar o quantum suficiente à justa reparação do dano sofrido, sem dar ensanchas a enriquecimento sem causa, entendo por bem elevar o valor do dano moral a montante correspondente a duzentos e cinquenta (250) salários-mínimos, valor que se põe em linha condizente com inúmeros precedentes firmados a propósito pelo Egrégio STJ, que, em situações análogas, adota como parâmetro a fixação do quantum, guardadas as peculiaridades de cada caso concreto, entre 100 e 500 salários-mínimos (REsp 860705/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª.T., DJ 16/11/2006; REsp 932001/AM, Rel. Ministro Castro Meira, 2.T., DJ 11/09/2007).
Quanto aos danos materiais, a sentença deferiu o pagamento de pensão pela dependência econômica dos filhos em relação à sua genitora. Embora na data do evento danoso (25/05/2009) os autores já estivessem aptos ao exercício pleno da capacidade civil pela maioridade (Marlonson - 18 anos, Marleuma - 19, e Marleuza, - 21 anos), a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça admite o pagamento de pensão aos filhos adultos jovens menores de 25 anos com base na presunção de dependência econômica destes em relação ao ascendente falecido (REsp 970.640-MG, 3ª T., Relª. Minª. Nancy Andrigh, DJE 30.06.2010; REsp 402.443-MG, 3Tº, rel.p/acórdão Min. Castro Filho, DJ 01.03.2004), motivo pelo qual a sentença, nessa parte, também merece prestígio ao impor limite ao cálculo da pensão devida até a idade de 25 anos sem exigir a comprovação de dependência.
Por essas razões, dou provimento ao recurso de apelação dos apelantes-autores para condenar solidariamente a ré-apelante e o Estado do Amapá ao pagamento de indenização por compensação a danos morais no montante de duzentos e cinquenta (250) salários-mínimos, mantendo, quanto ao mais, a sentença apelada.
Em conseqüência, nego provimento ao recurso de apelação aviado pela empresa-apelante.
É como voto.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Como ficou o dano material, Excelência?
O Excelentíssimo Senhor Desembargador CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - Dois terços. Precedente da Casa já.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Eu ouviu o voto e nós tivemos uma discussão muito grande aqui. Eu não sei o tamanho dessa empresa Garra. Eu lembro que julgando um processo de Santana de uma empresa de que realmente, pelos indicadores nós devíamos dar o máximo e concluímos que não adiantava dar, porque ela ia quebrar e não ia pagar, nem ela e nem ninguém e o Desembargador Edinardo, conhecendo a empresa, o que nós fizemos, baixamos ao nível que a empresa pudesse pagar, mesmo sabendo que o direito era aquele ali, mas que existe uma realidade e, essa realidade nós tínhamos que levar em conta.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - Senhor Presidente, Vossa Excelência me permite. Lembro-lhe que estou reconhecendo responsabilidade solidária da permissionária do serviço público que contribuiu para o acidente, causando traumatismo no braço esquerdo, que não foi a razão da morte da vítima e do Estado do Amapá, porque, internada em nosocômio público estadual para submissão a tratamento cirúrgico do trauma no braço esquerdo, a vítima veio a falecer em virtude de infecção hospitalar. Por essa razão, além da compensação a danos materiais à razão de 2/3 do valor do salário-mínimo, estou arbitrando, em consonância com jurisprudência do Egrégio STJ e segundo patamares preconizados pela Escola Judicial do Amapá, indenização por danos morais no equivalente à média entre cem e quinhentos salários mínimos, isto é, duzentos e cinquenta salários-mínimos.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Quando aconteceu o fato?
O Excelentíssimo Senhor Desembargador CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - O fato aconteceu em 2009.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Vai a correção monetária, vai juros. Isso vai lá pra cima. Os dois terços, nós temos colocado meio salário. O meu voto, eu entendo que eu baixaria para, é solidário, metade para o Estado, metade para...
O Excelentíssimo Senhor Desembargador CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - É solidário. Ele elege um.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador EDINARDO SOUZA (Vogal) - Ele vai eleger a empresa porque recebe mais rápido, é evidente que ele não vai eleger o Estado...
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Pelo contrário, o Estado que é mais seguro.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador EDINARDO SOUZA (Vogal) - Vai demorar o Estado.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Bem, eu baixaria para cento e cinquenta salários mínimos, levando em conta a correção monetária e baixaria para meio salário. É o meu voto. Desembargador Edinardo?
O Excelentíssimo Senhor Desembargador CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - Vossa Excelência deveria levar em conta que são três dependentes que estarão compartilhando o crédito correspondente ao somatório dos valores arbitrados a título de compensação por danos materiais e por danos morais.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador EDINARDO SOUZA (Vogal) - Eu acompanho Vossa Excelência. Eu tenho uma posição frontalmente contrária essa indenização de danos morais pela morte de alguém, eu não vejo, a minha análise, eu respeito àqueles que pensam diferente, é buscar dinheiro se utilizando de um ente próximo que faleceu, porque o dinheiro não paga nada, não paga a dor, não paga a perda, apenas traz uma compensação financeira que alguém que sobreviva vai usufruir. Sou totalmente contra. A jurisprudência toda permite, chega a valores, para mim, estratosféricos. Eu sou totalmente contra.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - Alicerçado que está na doutrina e na jurisprudência, mantenho meu voto.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Nós não estamos olhando isso, Desembargador, estamos olhando a realidade...
O Excelentíssimo Senhor Desembargador CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - Senhor Presidente, está meu voto fundamentado em doutrina e jurisprudência, adotando valores de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantenho-o, pois.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - O seu voto está irretocável apenas o detalhe é esse...
O Excelentíssimo Senhor Desembargador CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - Estou fazendo intervenção em amor ao direito onde sempre prepondera a dialética. Não estou dizendo que meu voto está certo, que deva prevalecer. Saio vencido tranquilamente.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Não, eu estou olhando o aspecto...
O Excelentíssimo Senhor Desembargador CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - Meu voto será integralmente mantido, ainda que vencido.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Vossa Excelência deve manter sim, eu acho que deve manter, apenas eu justifiquei porque eu fiz isso, lembra Desembargador Edinardo. Gente, cheguei à conclusão e a empresa pagou. Então, Desembargador Brahuna, Vossa Excelência fica vencido nessa parte. Fica cento e cinquenta salários-mínimos à guisa de reparação de danos morais e meio salário-mínimo para efeito de compensação aos danos materiais sofridos pelos familiares da vítima.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador CONSTANTINO BRAHUNA (Relator) - Excelência, são três autores. Divida isso por três, não vai dar nada para ninguém.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Apenas vamos discordar de Vossa Excelência apenas no valor, cento e cinquenta salários-mínimos em compensação aos danos morais e meio salário-mínimo aos danos materiais.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador EDINARDO SOUZA (Vogal) - Não sei se o precedente nosso é de dois terço.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador LUIZ CARLOS (Revisor) - Tem meio, dois terço, dois terço e meio. Vamos deixar, então, os dois terços.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador EDINARDO SOUZA (Vogal) - Eu vou acompanhar...eu sou totalmente contra.
DECISÃO
A Câmara Única do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, por unanimidade, conheceu dos recursos e, no mérito, por maioria, deu provimento parcial ao recurso dos apelantes/autores, vencido o Relator apenas no tocante à fixação do montante do dano moral e, à unanimidade, negou provimento ao recurso da empresa apelante, mantida a sentença quanto ao mais, tudo nos termos dos votos proferidos.